terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O mundo é o que você consome

Muito se tem teorizado sobre os "rolezinhos". Grande parte do que eu li, achei besteira. O único viés político é o esgarçamento do racismo nacional. Essa é uma luta longa, mas que tem avançado, mesmo que timidamente. O que me salta aos olhos nessa situação é ver o simbolismo do consumo na nossa sociedade. Também não é novidade, mas tem sobrepujado os demais valores. Antes ser "cool" ou "descolado" significava, além de ostentar marcas, possuir algum conhecimento e ética. 

Uma das máximas que circularam pelas redes sociais (como se houvesse realmente mais de uma) era a do rolezinho na biblioteca. Se o rolezinho é uma tentativa de se usufruir de algo próprio da elite. Tal frase só faria sentido, se a elite frequentadora dos tais shoppings, também frequentasse a biblioteca. O que bem sabemos, não é verdade. 



Cada vez mais a elite nacional é aculturada. Cada vez mais essa elite fomenta a ideia de que "agregar valor" é se tornar um outdoor ambulante ostentando marcas que localizam socialmente o indivíduo acima dos demais. É necessário consumir para pertencer. Os valores se perdem em meio aos preços. 

Concomitantemente, também é possível se destacar pela esperteza regulada pela lei do menor esforço. O mesmo cidadão que se gaba de possuir o smartphone último modelo, "tira onda" por que pegou um sanduíche de graça no festival de rock, ligado, claro, muito mais às marcas que ele consome do que à música que ouve. 

Se a nossa elite realmente frequentasse as bibliotecas, os cinemas, os centros culturais e teatros, não teríamos finalmente o povo que desejamos? Não seriamos finalmente o país que sonhamos? 

Quando me refiro às elites não falo apenas do tal 1% mais rico do país, falo de nós também. Sim, temos acesso a muitos bens culturais que fazemos questão de ignorar. Jogamos fora o privilégio de termos autonomia e consciência com relação ao que vamos consumir. Não conhecemos nossos autores, nem os de outros países a menos que sejam best sellers, e aí quem escolheu para você foi, sei lá, o New York Times. Não ouvimos nada que não esteja no rádio ou na trilha das novelas (alow jabá! olha aí você de novo não escolhendo). No cinema, qual o último filme que você viu que não era hollywood/globofilmes? Quantos sites de incentivo coletivo você conhece ou já contribuiu? Quantos shows/festivais de bandas locais que não eram de amigos? Epeças de teatro que não tinha o pessoal da comédia atual ou atores globais? E mesmo assim a gente reclama, não é? 

Reclama que a Educação é uma droga. Que o país não vai para frente. Que as rádios são ruins. Que a tv aberta é péssima. Que o festival de rock não tem rock. Que o produto eletrônico é muito caro. Que não tem nada para fazer nessa cidade. Que o povo não sabe votar. Que todo mundo rouba. Que a globo manda na cidade. Que no BBB só tem ignorante. Que o povo é burro. Que o preço é alto. Que ninguém quer saber de nada. Que ninguém faz nada.

Mas é justamente isso que acontece quando não refletimos sobre o nosso consumo. Quando esquecemos que depende de nós, também, compactuar ou não. Conhecer ou não. Comprar ou não. Incentivar ou não. Ir além ou não. Ter escolhas ou não. 

E assim, no ano do vestibular, temos possíveis cineastas, iluminadores, músicos, atores, escritores, radialistas, estilistas, pintores, intelectuais, cientistas, pesquisadores, etc. talentosos escolhendo administração "para não morrer de fome".