quarta-feira, 5 de março de 2014

A História oficial e a apatia nacional ou Passado o carnaval, imagina na Copa




Quarta-feira de cinzas taí. Trazendo lágrimas para alguns, uma alegria infindável para outros, o ano começou. E se não desejamos só reclamar por mais 4 anos, ou depois que os supostos dólares da Copa vazarem pelas fronteiras, é hora de arregaçar as mangas! 

Em épocas de eleição mesmo aqueles que nunca pensam sobre a política nacional tornam-se militantes, da mesma forma que se tornam ufanistas em tempos de Copa do Mundo...  Bom, pelo menos em algum momento essa inércia - que a mim, me lembra mesmo é um monstro medieval de 8 braços imobilizando a nação - é vencida, mesmo que temporariamente.

Com isso escutamos e lemos por aí uma série de confusões conceituais construídas sobre raciocínios e leituras tortuosas da realidade, bastante condizentes como o ensino de nossa história pelo qual a elite brasileira optou durante tantos anos não democráticos.

Em primeiro lugar, de um modo mais amplo, sofremos de uma apatia parasitária. Assistimos a todas as decisões tomadas no país, decisões que terão reflexos diretos nas nossas possibilidades de vida, no nosso cotidiano... E, porque não, nos nossos sonhos? O máximo que fazemos é reclamar da vida, dos políticos, da roubalheira, com o S. Zé da padaria, o Antônio jornaleiro ou aquele taxista que você pegou na “Hora do Brasil”. Somos roubados todos os dias e não fazemos nada... nunca.

Porque será que quase ninguém no Brasil considera interessante a sua própria História. Mesmo aqueles que dizem gostar, volta e meia, fazem uma ressalva com relação a disciplina, à própria trajetória enquanto sociedade, população e até mesmo indivíduo?

Por muitos anos, enquanto houve ditaduras no Brasil, optou-se por ensinar História Brasileira sob o prisma da passividade e alegria como principais características da nação. Somos alegres, claro! Mas será que sempre fomos tão passivos assim? Ou será que essa apatia e descrença todas são fruto de falta de prática cidadã, e de uma noção deturpada de suas lutas e conquistas ao longo da História. 



As guerras indígenas que aconteciam aqui quando chegaram os portugueses, e que contribuíram, direta e indiretamente, para nossa exploração não recebe o mesmo destaque nos conteúdos programáticos escolares, que recebe o viés de relação de cooperação das tribos e dos jesuítas ou bandeirantes.



Será mesmo que D. João VI era tão bobão assim? Em primeiro lugar, ele não seria rei. Foi coroado, pois seu irmão, o primogênito D. José, que a vida toda foi treinado para assumir o trono, tinha a saúde frágil e faleceu ainda jovem. Quando pressionado pelo avanço de Napoleão, finalmente, utilizou o plano de evasão da Corte que estava engavetado há tempos e já fora cogitado em outras situações de crise.  Uma excelente manobra que lhe permitiu resguardar o poder em Portugal e no Brasil. Não acho que tenha sido um covarde, ao contrário teve a coragem que nenhum rei português tinha tido, até então.



Os quilombos são ensinados como se os negros fugissem para viver numa dimensão paralela, uma “reprodução da vida tribal africana”. Mas o que é isso?! Nossos negros, barbaramente importados, também eram os mais covardes da África (como eram os portugueses em relação à Europa, para nós)?  Juro que uma vez vi uma futura professora apresentar uma aula colocando no quadro: “Formas Passivas de Resistência Escrava”. Resistência até pode ser pacífica, não acho que tenha sido esse o caso, mas pode acontecer. Se é resistência, é ativa, não passiva! Mas é isso que aprendemos por aí, numa sala de professores ninguém pareceu notar a incongruência das idéias. Seguiram todos pacificamente concordando.



Além disso, temas como a Revolta dos Malês, Revolta da Chibata, Manoel Congo, Zumbi, etc. são praticamente ignorados. Você conhece todos, ou alguns? Diversos levantes e movimentos populares/ sociais são dignos de maior status. De “brainstorm”: Guerra dos Farrapos, a Revolução Constitucionalista, A Coluna Prestes, A Revolução de Natal, A Guerra do Araguaia, Canudos. 

Acabo de ler o livro Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia do jornalista Leonêncio Nossa. E se algo me chamou atenção nessa longa e detalhada obra é, justamente, a memória de luta da população. De um lado ou de outro da oficialidade a maioria dessas pessoas possui um antepassado revolucionário ou militar condecorado em função dos conflitos locais. Da Cabanagem à guerrilha todas as famílias traziam viva essa memória. 

Quando surge na nossa História contemporânea um período de conquistas sociais necessariamente trata-se do tal “populismo”. É sempre um governo assistencialista que se utilizou de manobras para conseguir maior apoio popular. Os trabalhadores urbanos ou rurais, a sociedade, o povo mais organizado ao longo do tempo, não tiveram qualquer participação em nenhuma conquista.

E pior, a classe política especializa-se em “pais de leis”. Todo mundo quer ser autor de projetos postos em prática. Por causa dessa tal “paternidade legislativa/administrativa”, excelentes projetos são interrompidos.

Quando um escândalo nacional como o do Collor chega à imprensa, isso já é sinal de avanço, se pensarmos que pouco antes, esses mesmos jornais sofriam censura. Mais ainda, se diante do fato, milhões de brasileiros se reúnem em todo o Brasil, vestindo preto, num domingo de sol desse país tropical, para exigir a saída do primeiro presidente eleito depois de mais de 20 anos. Se a legitimidade de Collor advinha da forma democrática com que fora eleito, porque não democratizar também as pressões para sua saída? Será que foi só a Globo que tirou o Collor do poder? Milhões de brasileiros nas ruas não fizeram a menor diferença?  Nenhuma? 



Bem, essa não é a minha História

Será que se tivéssemos ficado em casa apenas ouvindo o Cid Moreira falar, com a mesma apatia a que ouvimos o Bonner hoje, o CN se sentiria tão livre para não cassar determinados políticos, não tomar determinadas decisões ou tomar outras?  Será que o dinheiro que os cofres públicos deveriam acumular evaporariam assim?

As Jornadas de Junho que perduram, ainda que um tanto quanto trôpega e amedrontada, até hoje, nos mostraram que o projeto funciona. Esconder as convulsões sociais para debaixo do tapete e criar uma cultura do "sim senhor" disfarçada de um orgulho do pacifismo nacional faz com que qualquer ato de desobediência civil seja visto como precedente perigoso. O fato de se discordar de algumas estratégias de luta não deve ser utilizado sistematicamente para deslegitimar demandas sociais justas. Mas quando um povo não conhece seu passado, não tem memória, torna-se facilmente manipulável. 

No meu país existiu um povo forte, que tinha capacidade real de se indignar. Que conseguia se organizar. Mesmo que algumas vezes equivocadas, meu país tem pessoas de valor que lutaram e morreram por ideais de nação. Por sonhos comuns, fossem quais fossem... Mas que depois de muito tempo repetindo outra versão dos fatos, desconheceu seu valor, passou a ignorar sua força, seus direitos, suas obrigações, e até mesmo seus sonhos, suas utopias.

E o que é um povo sem utopias?  É essa massa amorfa e barulhenta, que acredita que não tem “DNA histórico” para se transformar em outra coisa. Que não sabe o que é. De que é feito. Ou para que serve.  Que no máximo consegue se repartir em milhões de umbigos ocupados reclamando sem parar, e sem se ouvir. Esse é o monstro criado quando a História só é vista de cima para baixo. E feliz 2014!