sexta-feira, 18 de abril de 2014

Mulheres, militância e participação política.



Quando se discute a América Latina no cotidiano, dois elementos saltam aos olhos. O primeiro é a forma longínqua com que os brasileiros tratam a região, ou seja, como se se tratasse de algum lugar difuso e distante do qual não fazem parte. O segundo é o corte temporal que se faz com relação às ditaduras que tomaram o continente nas décadas de 1960 e 1970.

Trabalhando com a cultura urbana atual em países da região como um todo, mas principalmente do Cone Sul, chocou-me o olhar estereotipado que temos de nossos vizinhos, bem como a falta total de informações sobre a história desses países tão próximos.

Nas escolas o espaço para se trabalhar América Latina na disciplina de História são apenas dois: as independências e as ditaduras. Com relação ao primeiro período tudo é ensinado com certa rapidez como se nos envergonhássemos de nossa opção monárquica enquanto a região optava por repúblicas. Com relação ao segundo momento, o conteúdo escolhido acaba sendo o da participação brasileira nos aparatos de repressão dos demais países do Cone Sul na denominada Operação Condor. Em ambos os casos optamos por não analisar as opções políticas que geraram no futuro uma cultura política na região, ou optamos por falar de nós, Brasil, esperando que o nosso imperialismo não transpareça.

MEMÓRIAS



A importância da construção e reconstrução da memória relativa aos períodos ditatoriais na América Latina tem diversas dimensões: política, social, pública, privada, psicológica, jurídica, etc. A necessidade dos mecanismos e dispositivos de reconciliação são amplamente e, cada vez mais, discutidos tanto no âmbito nacional quanto internacional, vide as decisões mais recentes relativas à ações movidas em organizações internacionais como a OEA.

Sem dúvidas o Brasil encontra-se mais “em dívida” com seu passado recente. Por um lado a insistência de muitos setores envolvidos na repressão em negar suas ações mais vis, o número de herdeiros dessa memória e de sobreviventes atuantes na busca pela verdade torna a questão ainda muito polarizada. Por outro lado, o caráter secreto de tantas decisões, a compartimentação das funções dentro do aparato repressivo que acarreta uma espécie de compartilhamento anulador de culpas e responsabilidades no âmbito do indivíduo, o luto não ultrapassado, enfim, torna a tônica dos discursos, de um lado e de outro, mais relacionada à esfera da paixão que da mera racionalidade política.

No entanto, por mais que muitas feridas sangrem novamente, antes de serem definitivamente cicatrizadas na história e na memória nacional é imprescindível que se faça a justiça e que a verdade sobre os fatos venha à tona.

Em grande parte, no Brasil e na Argentina o trabalho de construção dessa memória, de estabelecimento dos fatos e denúncias, coube às mulheres. Mães, filhas, irmãs, viúvas e, claro, sobreviventes. Algumas vezes, esses papéis se misturam. Misturam-se as dores e as vitórias. Num relato é possível observar a dor da perda de um companheiro, ao mesmo tempo em que se conquista a esperança ao descobrir-se mãe. Os relatos dessas mulheres e a confusão de sentimentos própria de momentos em que os limites humanos são postos à prova, são tanto a essência da memória desse período da mesma forma em que constituem, também, a razão principal da dificuldade em se punir os crimes ocorridos. Pois a desumanização que a tortura provoca pode ter fim com a inserção da verdade sobre o período no imaginário político do senso comum, ou seja da incorporação dessa memória e na sensação de justiça alcançada, portanto de legalidade. No entanto, é nesse mesmo momento em que o torturador se desumaniza definitivamente nos aspectos mais privados de sua vida. Enquanto aguardam por justiça, o constrangimento público tem sido umas das estratégias utilizadas pelos movimentos que lutam pela responsabilização por parte do Estado e punição dos criminosos desse período.



Sendo essa memória em grande parte feminina o tema ganha contornos específicos. Historicamente o espaço destinado às mulheres, muito raramente, vai além da esfera privada. Contar uma história, construir uma memória pública partindo de um lugar social acostumado e destinado à esfera privada já se mostra um desafio, mesmo ignorando os demais aspectos “delicados” e secretos que envolvem a construção de uma memória de caráter trágico e desumanizante.

Há a priori três gerações distintas de construção dessa memória que enfrentaram e viveram de forma diferente as relações sociais de gênero. As gerações de mães das militantes, a das militantes e a de suas filhas.  Embora as mulheres, ao longo dessas gerações, tenham conquistado muitos espaços, algumas questões permanecem as mesmas.

As mulheres tem ocupado cada vez mais o espaço público, inclusive em cargos de alto poder decisório como é o caso de Brasil e Argentina no momento. Mas até agora, essa inserção tem sido relativamente tímida, talvez também pela falta da construção dessa memória de forma objetiva e definitiva. No entanto muitas das mulheres que ocupam esses espaços públicos hoje é egressa das lutas contra as ditaduras da América Latina na segunda metade do século XX ou herdeira delas.

De um modo geral, é em função de conflitos violentos, que as mulheres encontraram brechas para uma maior atuação no espaço público. Em situações em que perdem temporária ou definitivamente seus provedores. Na América Latina não foi diferente, sendo ainda mais recente uma participação mais significativa.

À toda a problemática já citada, intrínseca à construção de uma memória social e política de períodos trágicos e traumáticos, soma-se o caráter de gênero que individualmente minou a legitimidade dos discursos e das denúncias por virem do lugar social ao qual está relacionada ao longo da história com categorias como maldade e loucura.

Desde tempos imemoriais os discursos femininos são reduzidos a um “não” controle das emoções, a uma “não” capacidade racional. Fosse sob a forma da “misoginia medieval” analisada por Luís Costa Lima, ou com relação muitas vezes aos papéis designados à maioria das mulheres dentro das organizações de combate à ditadura. Recorre-se ou à infantilização das mulheres, ou à tentativa de atribuir suas ações ou palavras ao âmbito da loucura, da histeria, do “exagero”. Isso, naturalmente se dá, igualmente, quanto ao teor de seus relatos históricos. “Esta senhora enlouqueceu.” Ou “Larga essa vida de militância política, menina, você nem sabe onde foi se meter”.

No caso das ditaduras latino americanas a inserção feminina no espaço público tem a marca da violência e do fascínio. Vistas como heroínas por uns, como aberrações por outros o fascínio é corrente. Na época dos fatos, sua condição feminina horrorizava ainda mais os homens da repressão. Eram duplamente culpadas: por serem comunistas desafiando o poder estatal instituído, e por serem mulheres que, ao escolherem o caminho da luta política, rompem com os papéis sociais preestabelecidos e, portanto, com a ordem. Fascinam e amedrontam o que faz aumentar, diversas vezes a violência principalmente quando se mostraram capazes de resistir. Com relação à violência, foram torturadas por homens e, assim, as humilhações e torturas de cunho sexual foram mais correntes do que com relação aos presos do sexo masculino.

Naturalmente que pelos diversos depoimentos dos sobreviventes sabemos que os homens também passaram por violações sexuais, no entanto há menos registros da tortura sexual entre os interrogatórios do que no caso das mulheres. As presas mulheres tinham seu corpo utilizado pelos homens que compunham o aparato repressivo, também nos momentos de folga, como fonte de diversão e relaxamento.

O papel social feminino navega ao longo dos períodos históricos por mares de ambiguidades: a santa e a louca, a bruxa e a criatura infantil e vulnerável, a mulher e a militante. No entanto a capacidade de resistência, de convicção política, e de luta femininas, acabava por retirá-las aos olhos de diversos segmentos sociais da “categoria feminina”. São comuns os depoimentos de mulheres que aderiram à luta armada, de ouvirem de soldados e de torturadores que eram “sapatões”.

 Também possui dupla dimensão as experiências da prisão e da clandestinidade. A mulher enquanto clandestina tem vantagens justamente em função do entendimento de que mulheres oferecem menos riscos. Uma casa em que more uma mulher que quase não sai, é a casa de uma moça trabalhadora ou recatada. Um homem chamaria mais atenção. Um jovem casal também desperta menos suspeitas. Não raro as mulheres nas ações cumpriam o papel de falsas namoradas exatamente com esse fim.

Por outro lado a situação feminina nos “porões” de tortura acaba assumindo outro teor de degradação e humilhação que reside no fato mesmo de serem mulheres, As mulheres transgridem duplamente e isso se faz presente na prisão. São punidas e torturadas não só pelas informações que podem fornecer ou pela ameaça que representam à estabilidade do sistema com suas ações subversivas, como também pelo fato de terem ignorado o papel social previamente delineado para o gênero feminino restrito à esfera privada.

Uma vez que ao longo da história a mulher esteve restrita ao universo da casa e da família, aquela que opta por um carreira diferente e uma maior participação política enfrenta preconceitos dentro e fora das organizações de resistência, armada ou não, da qual participaram. Ao contrário dos homens, como já foi dito, elas transgridem duplamente e por isso significam uma ameaça à estabilidade política e cotidiana.


Concluímos, assim, que a questão de gênero está intimamente ligada à dificuldade de se estabelecer a verdade dos fatos sobre os anos de chumbo no Brasil. Além do desejo das Forças Armadas em manter suas ações mais vis ocultas, uma vez que grande parte dessa memória é feminina, torna-se mais fácil deslegitimar o discurso. Por outro lado a supressão dessas verdades constitui, também, uma barreira à participação política feminina nos dias de hoje. Muito embora três das maiores economias da região possuam hoje presidentas (Cristina Kirchner – Arg, Dilma Roussef – Br e Michelle Bachelet – Chile), há ainda um déficit muito grande de participação política nesses países. Pois quando não há memória também não há trajetórias heroicas que inspirem, não há cultura política.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Com a palavra: De onde veio a Sociologia?

A Sociologia surgiu de fato de uma série de transformações na sociedade e, principalmente, na concepção do próprio homem em relação a ela.
   A ideia de sociologia se forma a partir do ponto em que um ser passa a examinar como outros seres, ou ele mesmo, se interagem, mas não como um todo, e sim, como um individuo. A ideia de individuo começa a se formar quando o homem passa a pensar como um ser único e diferente em relação a um grupo ou sociedade. Ele passa a comparar, estudar e entender as relações sociais.
     Com a Revolução Industrial e a ascensão do capitalismo, o homem passa a pensar muito mais nele mesmo do que no todo. O topo da pirâmide fica cada vez menor e a base cada vez maior. O homem moderno se vê cada vez mais explorado, isso o leva a indagar o que é correto, o que é justo. Iniciam-se as primeiras ideias acerca dos direitos básicos a todo homem e no direito a liberdade.

     A observação do comportamento, da interação entre os homens começa a ser feita. A indagação do que é certo começa a ser frequente. Começa assim a nascer a Sociologia.

Por: Pablo Accioly