Às vezes dá um desespero, parece com aqueles pesadelos nos
quais a gente grita e não sai som. Parece que de repente, numa piscada, a gente
perdeu o controle, que nunca teve, e a vida tomou outros rumos. Começamos a
reavaliar a trajetória, tentando entender em que ponto da estrada demos essa
tal piscada.
Não, não tem que ser assim. Nem sempre é. Para algumas
pessoas a vida é uma viagem em uma estrada alemã. Seguem firmes, sem barreiras,
sem buracos. Quando a gente olha parece que eles têm o controle total. Se têm
mesmo, eu não sei, mas se não o têm, parecem lidar melhor com isso.
Eu não estou falando de uma vida marcada pela tragédia.
Estou falando de algo bem mais sutil. Não há nenhum evento marcante. Nada
trágico, nenhuma grande guinada. É um nada que vai acontecendo e levando aos
poucos para outras direções. Quando nos damos conta... onde estamos? E
principalmente, como viemos parar aqui, se íamos para outro lugar completamente
diferente?! Dá tempo, tem como retornar? Ainda dá?
Algumas vezes dá, depende da distância a que paramos do
local para onde íamos, se nos perdemos de nós nesse caminho... enfim, depende. Outras
vezes não dá, o tempo passou, nos distanciamos tanto de nós mesmos que, antes
de mais nada, é preciso se encontrar; as circunstâncias não permitem mais.
Podem ser muitas as razões. Pode ser possível retornar em alguns pontos, outros
não.
Ainda que dê para retornar, que se saiba como, é bem provável
que seja mais difícil, que já se esteja cansado, lento. O retorno exige mais
esforço, o caminho fica mais longo. A cada obstáculo o cansaço aumenta. A cada
buraco a queda fere mais. É preciso que nos concentremos cada vez mais em nós
para conseguir retornar. Mas como fazer isso, sem perder a beleza que se
apresenta no caminho? Como não se distrair com as ninfas? Como não se amedrontar com as sombras?
Encontrar essa exata medida, entre nós e o caminho, já é, em
si, uma trajetória. Percorrê-la é doloroso. Confrontar-se dá trabalho, nem todo
mundo está disposto. Seja qual for o caminho, a beleza, a distração das ninfas, o medo das sombras... a única verdade absoluta é a de que o percorremos sozinhos. Só a nós mesmos
interessa, de fato, o destino final. É só a partir dessa constatação que qualquer retorno se torna provável.
