Vejamos se agora, de posse dessas novas tecnologias, se ativamos de novo esse blog que anda morto. Agora que posso (e vocês também) escrever em qualquer lugar, quem sabe não dá para descobrir outras formas de usar esse espaço?
Então... 1,2,3 testando...
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
Prova Final
sexta-feira, 18 de abril de 2014
Mulheres, militância e participação política.
Quando se discute a América Latina no cotidiano, dois
elementos saltam aos olhos. O primeiro é a forma longínqua com que os
brasileiros tratam a região, ou seja, como se se tratasse de algum lugar difuso
e distante do qual não fazem parte. O segundo é o corte temporal que se faz com
relação às ditaduras que tomaram o continente nas décadas de 1960 e 1970.
Trabalhando com a cultura urbana atual em países da região
como um todo, mas principalmente do Cone Sul, chocou-me o olhar estereotipado
que temos de nossos vizinhos, bem como a falta total de informações sobre a
história desses países tão próximos.
Nas escolas o espaço para se trabalhar América Latina na
disciplina de História são apenas dois: as independências e as ditaduras. Com
relação ao primeiro período tudo é ensinado com certa rapidez como se nos
envergonhássemos de nossa opção monárquica enquanto a região optava por
repúblicas. Com relação ao segundo momento, o conteúdo escolhido acaba sendo o
da participação brasileira nos aparatos de repressão dos demais países do Cone
Sul na denominada Operação Condor. Em ambos os casos optamos por não analisar
as opções políticas que geraram no futuro uma cultura política na região, ou
optamos por falar de nós, Brasil, esperando que o nosso imperialismo não
transpareça.
MEMÓRIAS
A importância da construção e reconstrução da memória
relativa aos períodos ditatoriais na América Latina tem diversas dimensões:
política, social, pública, privada, psicológica, jurídica, etc. A necessidade
dos mecanismos e dispositivos de reconciliação são amplamente e, cada vez mais,
discutidos tanto no âmbito nacional quanto internacional, vide as decisões mais
recentes relativas à ações movidas em organizações internacionais como a OEA.
Sem dúvidas o Brasil encontra-se mais “em dívida” com seu
passado recente. Por um lado a insistência de muitos setores envolvidos na
repressão em negar suas ações mais vis, o número de herdeiros dessa memória e
de sobreviventes atuantes na busca pela verdade torna a questão ainda muito
polarizada. Por outro lado, o caráter secreto de tantas decisões, a
compartimentação das funções dentro do aparato repressivo que acarreta uma
espécie de compartilhamento anulador de culpas e responsabilidades no âmbito do
indivíduo, o luto não ultrapassado, enfim, torna a tônica dos discursos, de um
lado e de outro, mais relacionada à esfera da paixão que da mera racionalidade
política.
No entanto, por mais que muitas feridas sangrem novamente,
antes de serem definitivamente cicatrizadas na história e na memória nacional é
imprescindível que se faça a justiça e que a verdade sobre os fatos venha à
tona.
Em grande parte, no Brasil e na Argentina o trabalho de
construção dessa memória, de estabelecimento dos fatos e denúncias, coube às
mulheres. Mães, filhas, irmãs, viúvas e, claro, sobreviventes. Algumas vezes, esses
papéis se misturam. Misturam-se as dores e as vitórias. Num relato é possível
observar a dor da perda de um companheiro, ao mesmo tempo em que se conquista a
esperança ao descobrir-se mãe. Os relatos dessas mulheres e a confusão de
sentimentos própria de momentos em que os limites humanos são postos à prova,
são tanto a essência da memória desse período da mesma forma em que constituem,
também, a razão principal da dificuldade em se punir os crimes ocorridos. Pois
a desumanização que a tortura provoca pode ter fim com a inserção da verdade
sobre o período no imaginário político do senso comum, ou seja da incorporação
dessa memória e na sensação de justiça alcançada, portanto de legalidade. No
entanto, é nesse mesmo momento em que o torturador se desumaniza
definitivamente nos aspectos mais privados de sua vida. Enquanto aguardam por
justiça, o constrangimento público tem sido umas das estratégias utilizadas
pelos movimentos que lutam pela responsabilização por parte do Estado e punição
dos criminosos desse período.
Sendo essa memória em grande parte feminina o tema ganha
contornos específicos. Historicamente o espaço destinado às mulheres, muito
raramente, vai além da esfera privada. Contar uma história, construir uma
memória pública partindo de um lugar social acostumado e destinado à esfera
privada já se mostra um desafio, mesmo ignorando os demais aspectos “delicados”
e secretos que envolvem a construção de uma memória de caráter trágico e
desumanizante.
Há a priori três gerações distintas de construção dessa
memória que enfrentaram e viveram de forma diferente as relações sociais de
gênero. As gerações de mães das militantes, a das militantes e a de suas
filhas. Embora as mulheres, ao longo
dessas gerações, tenham conquistado muitos espaços, algumas questões permanecem
as mesmas.
As mulheres tem ocupado cada vez mais o espaço público,
inclusive em cargos de alto poder decisório como é o caso de Brasil e Argentina
no momento. Mas até agora, essa inserção tem sido relativamente tímida, talvez
também pela falta da construção dessa memória de forma objetiva e definitiva.
No entanto muitas das mulheres que ocupam esses espaços públicos hoje é egressa
das lutas contra as ditaduras da América Latina na segunda metade do século XX
ou herdeira delas.
De um modo geral, é em função de conflitos violentos, que as
mulheres encontraram brechas para uma maior atuação no espaço público. Em situações
em que perdem temporária ou definitivamente seus provedores. Na América Latina
não foi diferente, sendo ainda mais recente uma participação mais
significativa.
À toda a problemática já citada, intrínseca à construção de
uma memória social e política de períodos trágicos e traumáticos, soma-se o
caráter de gênero que individualmente minou a legitimidade dos discursos e das
denúncias por virem do lugar social ao qual está relacionada ao longo da
história com categorias como maldade e loucura.
Desde tempos imemoriais os discursos femininos são reduzidos
a um “não” controle das emoções, a uma “não” capacidade racional. Fosse sob a
forma da “misoginia medieval” analisada por Luís Costa Lima, ou com relação
muitas vezes aos papéis designados à maioria das mulheres dentro das
organizações de combate à ditadura. Recorre-se ou à infantilização das
mulheres, ou à tentativa de atribuir suas ações ou palavras ao âmbito da
loucura, da histeria, do “exagero”. Isso, naturalmente se dá, igualmente,
quanto ao teor de seus relatos históricos. “Esta senhora enlouqueceu.” Ou
“Larga essa vida de militância política, menina, você nem sabe onde foi se
meter”.
No caso das ditaduras latino americanas a inserção feminina
no espaço público tem a marca da violência e do fascínio. Vistas como heroínas
por uns, como aberrações por outros o fascínio é corrente. Na época dos fatos,
sua condição feminina horrorizava ainda mais os homens da repressão. Eram
duplamente culpadas: por serem comunistas desafiando o poder estatal
instituído, e por serem mulheres que, ao escolherem o caminho da luta política,
rompem com os papéis sociais preestabelecidos e, portanto, com a ordem.
Fascinam e amedrontam o que faz aumentar, diversas vezes a violência
principalmente quando se mostraram capazes de resistir. Com relação à
violência, foram torturadas por homens e, assim, as humilhações e torturas de
cunho sexual foram mais correntes do que com relação aos presos do sexo
masculino.
Naturalmente que pelos diversos depoimentos dos sobreviventes
sabemos que os homens também passaram por violações sexuais, no entanto há
menos registros da tortura sexual entre os interrogatórios do que no caso das
mulheres. As presas mulheres tinham seu corpo utilizado pelos homens que
compunham o aparato repressivo, também nos momentos de folga, como fonte de
diversão e relaxamento.
O papel social feminino navega ao longo dos períodos
históricos por mares de ambiguidades: a santa e a louca, a bruxa e a criatura
infantil e vulnerável, a mulher e a militante. No entanto a capacidade de
resistência, de convicção política, e de luta femininas, acabava por retirá-las
aos olhos de diversos segmentos sociais da “categoria feminina”. São comuns os
depoimentos de mulheres que aderiram à luta armada, de ouvirem de soldados e de
torturadores que eram “sapatões”.
Também possui dupla
dimensão as experiências da prisão e da clandestinidade. A mulher enquanto
clandestina tem vantagens justamente em função do entendimento de que mulheres
oferecem menos riscos. Uma casa em que more uma mulher que quase não sai, é a
casa de uma moça trabalhadora ou recatada. Um homem chamaria mais atenção. Um
jovem casal também desperta menos suspeitas. Não raro as mulheres nas ações
cumpriam o papel de falsas namoradas exatamente com esse fim.
Por outro lado a situação feminina nos “porões” de tortura
acaba assumindo outro teor de degradação e humilhação que reside no fato mesmo
de serem mulheres, As mulheres transgridem duplamente e isso se faz presente na
prisão. São punidas e torturadas não só pelas informações que podem fornecer ou
pela ameaça que representam à estabilidade do sistema com suas ações
subversivas, como também pelo fato de terem ignorado o papel social previamente
delineado para o gênero feminino restrito à esfera privada.
Uma vez que ao longo da história a mulher esteve restrita ao
universo da casa e da família, aquela que opta por um carreira diferente e uma
maior participação política enfrenta preconceitos dentro e fora das
organizações de resistência, armada ou não, da qual participaram. Ao contrário
dos homens, como já foi dito, elas transgridem duplamente e por isso significam
uma ameaça à estabilidade política e cotidiana.
Concluímos, assim, que a questão de gênero está intimamente
ligada à dificuldade de se estabelecer a verdade dos fatos sobre os anos de
chumbo no Brasil. Além do desejo das Forças Armadas em manter suas ações mais
vis ocultas, uma vez que grande parte dessa memória é feminina, torna-se mais
fácil deslegitimar o discurso. Por outro lado a supressão dessas verdades
constitui, também, uma barreira à participação política feminina nos dias de
hoje. Muito embora três das maiores economias da região possuam hoje presidentas
(Cristina Kirchner – Arg, Dilma Roussef – Br e Michelle Bachelet – Chile), há
ainda um déficit muito grande de participação política nesses países. Pois
quando não há memória também não há trajetórias heroicas que inspirem, não há
cultura política.
quarta-feira, 2 de abril de 2014
Com a palavra: De onde veio a Sociologia?
A Sociologia surgiu de fato de uma série de transformações na sociedade
e, principalmente, na concepção do próprio homem em relação a ela.
A ideia de sociologia se forma a partir do ponto em que um ser passa a
examinar como outros seres, ou ele mesmo, se interagem, mas não como um todo, e
sim, como um individuo. A ideia de individuo começa a se formar quando o homem
passa a pensar como um ser único e diferente em relação a um grupo ou sociedade.
Ele passa a comparar, estudar e entender as relações sociais.
Com a Revolução Industrial e a ascensão do
capitalismo, o homem passa a pensar muito mais nele mesmo do que no todo. O
topo da pirâmide fica cada vez menor e a base cada vez maior. O homem moderno
se vê cada vez mais explorado, isso o leva a indagar o que é correto, o que é justo.
Iniciam-se as primeiras ideias acerca dos direitos básicos a todo homem e no direito
a liberdade.
A observação do comportamento, da
interação entre os homens começa a ser feita. A indagação do que é certo começa
a ser frequente. Começa assim a nascer a Sociologia.
Por: Pablo Accioly
quarta-feira, 5 de março de 2014
A História oficial e a apatia nacional ou Passado o carnaval, imagina na Copa
Quarta-feira de cinzas taí. Trazendo lágrimas para alguns, uma alegria infindável para outros, o ano começou. E se não desejamos só reclamar por mais 4 anos, ou depois que os supostos dólares da Copa vazarem pelas fronteiras, é hora de arregaçar as mangas!
Em épocas de eleição mesmo aqueles que nunca pensam sobre a política nacional tornam-se militantes, da mesma forma que se tornam ufanistas em tempos de Copa do Mundo... Bom, pelo menos em algum momento essa inércia - que a mim, me lembra mesmo é um monstro medieval de 8 braços imobilizando a nação - é vencida, mesmo que temporariamente.
Em épocas de eleição mesmo aqueles que nunca pensam sobre a política nacional tornam-se militantes, da mesma forma que se tornam ufanistas em tempos de Copa do Mundo... Bom, pelo menos em algum momento essa inércia - que a mim, me lembra mesmo é um monstro medieval de 8 braços imobilizando a nação - é vencida, mesmo que temporariamente.
Com isso escutamos e lemos por aí
uma série de confusões conceituais construídas sobre raciocínios e leituras
tortuosas da realidade, bastante condizentes como o ensino de nossa história
pelo qual a elite brasileira optou durante tantos anos não democráticos.
Em primeiro lugar, de um modo
mais amplo, sofremos de uma apatia parasitária. Assistimos a todas as decisões
tomadas no país, decisões que terão reflexos diretos nas nossas possibilidades
de vida, no nosso cotidiano... E, porque não, nos nossos sonhos? O máximo que
fazemos é reclamar da vida, dos políticos, da roubalheira, com o S. Zé da
padaria, o Antônio jornaleiro ou aquele taxista que você pegou na “Hora do
Brasil”. Somos roubados todos os dias e não fazemos nada... nunca.
Porque será que quase ninguém no
Brasil considera interessante a sua própria História. Mesmo aqueles que dizem
gostar, volta e meia, fazem uma ressalva com relação a disciplina, à própria
trajetória enquanto sociedade, população e até mesmo indivíduo?
Por muitos anos, enquanto houve
ditaduras no Brasil, optou-se por ensinar História Brasileira sob o prisma da
passividade e alegria como principais características da nação. Somos alegres,
claro! Mas será que sempre fomos tão passivos assim? Ou será que essa apatia e
descrença todas são fruto de falta de prática cidadã, e de uma noção deturpada
de suas lutas e conquistas ao longo da História.
As guerras indígenas que
aconteciam aqui quando chegaram os portugueses, e que contribuíram, direta e
indiretamente, para nossa exploração não recebe o mesmo destaque nos conteúdos
programáticos escolares, que recebe o viés de relação de cooperação das tribos
e dos jesuítas ou bandeirantes.
Será mesmo que D. João VI era tão
bobão assim? Em primeiro lugar, ele não seria rei. Foi coroado, pois seu irmão,
o primogênito D. José, que a vida toda foi treinado para assumir o trono, tinha
a saúde frágil e faleceu ainda jovem. Quando pressionado pelo avanço de
Napoleão, finalmente, utilizou o plano de evasão da Corte que estava engavetado
há tempos e já fora cogitado em outras situações de crise. Uma excelente manobra que lhe permitiu
resguardar o poder em Portugal e no Brasil. Não acho que tenha sido um covarde,
ao contrário teve a coragem que nenhum rei português tinha tido, até então.
Os quilombos são ensinados como
se os negros fugissem para viver numa dimensão paralela, uma “reprodução da
vida tribal africana”. Mas o que é isso?! Nossos negros, barbaramente
importados, também eram os mais covardes da África (como eram os portugueses em
relação à Europa, para nós)? Juro que
uma vez vi uma futura professora apresentar uma aula colocando no quadro: “Formas
Passivas de Resistência Escrava”. Resistência até pode ser pacífica, não acho
que tenha sido esse o caso, mas pode acontecer. Se é resistência, é ativa, não
passiva! Mas é isso que aprendemos por aí, numa sala de professores ninguém
pareceu notar a incongruência das idéias. Seguiram todos pacificamente
concordando.
Além disso, temas como a Revolta
dos Malês, Revolta da Chibata, Manoel Congo, Zumbi, etc. são praticamente
ignorados. Você conhece todos, ou alguns? Diversos levantes e movimentos
populares/ sociais são dignos de maior status. De “brainstorm”: Guerra dos Farrapos, a Revolução Constitucionalista, A
Coluna Prestes, A Revolução de Natal, A Guerra do Araguaia, Canudos.
Acabo de ler o livro Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia do jornalista Leonêncio Nossa. E se algo me chamou atenção nessa longa e detalhada obra é, justamente, a memória de luta da população. De um lado ou de outro da oficialidade a maioria dessas pessoas possui um antepassado revolucionário ou militar condecorado em função dos conflitos locais. Da Cabanagem à guerrilha todas as famílias traziam viva essa memória.
Acabo de ler o livro Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia do jornalista Leonêncio Nossa. E se algo me chamou atenção nessa longa e detalhada obra é, justamente, a memória de luta da população. De um lado ou de outro da oficialidade a maioria dessas pessoas possui um antepassado revolucionário ou militar condecorado em função dos conflitos locais. Da Cabanagem à guerrilha todas as famílias traziam viva essa memória.
Quando surge na nossa História
contemporânea um período de conquistas sociais necessariamente trata-se do tal
“populismo”. É sempre um governo assistencialista que se utilizou de manobras
para conseguir maior apoio popular. Os trabalhadores urbanos ou rurais, a
sociedade, o povo mais organizado ao longo do tempo, não tiveram qualquer
participação em nenhuma conquista.
E pior, a classe política
especializa-se em “pais de leis”. Todo mundo quer ser autor de projetos postos
em prática. Por causa dessa tal “paternidade legislativa/administrativa”,
excelentes projetos são interrompidos.
Quando um escândalo nacional como
o do Collor chega à imprensa, isso já é sinal de avanço, se pensarmos que pouco
antes, esses mesmos jornais sofriam censura. Mais ainda, se diante do fato,
milhões de brasileiros se reúnem em todo o Brasil, vestindo preto, num domingo
de sol desse país tropical, para exigir a saída do primeiro presidente eleito
depois de mais de 20 anos. Se a legitimidade de Collor advinha da forma
democrática com que fora eleito, porque não democratizar também as pressões
para sua saída? Será que foi só a Globo que tirou o Collor do poder? Milhões de
brasileiros nas ruas não fizeram a menor diferença? Nenhuma?
Bem, essa não é a minha História
Será que se tivéssemos ficado em
casa apenas ouvindo o Cid Moreira falar, com a mesma apatia a que ouvimos o
Bonner hoje, o CN se sentiria tão livre para não cassar determinados políticos,
não tomar determinadas decisões ou tomar outras? Será que o dinheiro que os cofres públicos
deveriam acumular evaporariam assim?
As Jornadas de Junho que perduram, ainda que um tanto quanto trôpega e amedrontada, até hoje, nos mostraram que o projeto funciona. Esconder as convulsões sociais para debaixo do tapete e criar uma cultura do "sim senhor" disfarçada de um orgulho do pacifismo nacional faz com que qualquer ato de desobediência civil seja visto como precedente perigoso. O fato de se discordar de algumas estratégias de luta não deve ser utilizado sistematicamente para deslegitimar demandas sociais justas. Mas quando um povo não conhece seu passado, não tem memória, torna-se facilmente manipulável.
As Jornadas de Junho que perduram, ainda que um tanto quanto trôpega e amedrontada, até hoje, nos mostraram que o projeto funciona. Esconder as convulsões sociais para debaixo do tapete e criar uma cultura do "sim senhor" disfarçada de um orgulho do pacifismo nacional faz com que qualquer ato de desobediência civil seja visto como precedente perigoso. O fato de se discordar de algumas estratégias de luta não deve ser utilizado sistematicamente para deslegitimar demandas sociais justas. Mas quando um povo não conhece seu passado, não tem memória, torna-se facilmente manipulável.
No meu país existiu um povo
forte, que tinha capacidade real de se indignar. Que conseguia se organizar. Mesmo
que algumas vezes equivocadas, meu país tem pessoas de valor que lutaram e morreram
por ideais de nação. Por sonhos comuns, fossem quais fossem... Mas que depois
de muito tempo repetindo outra versão dos fatos, desconheceu seu valor, passou
a ignorar sua força, seus direitos, suas obrigações, e até mesmo seus sonhos,
suas utopias.
E o que é um povo sem utopias? É essa massa amorfa e barulhenta, que acredita
que não tem “DNA histórico” para se transformar em outra coisa. Que não sabe o
que é. De que é feito. Ou para que serve.
Que no máximo consegue se repartir em milhões de umbigos ocupados
reclamando sem parar, e sem se ouvir. Esse é o monstro criado quando a História
só é vista de cima para baixo. E feliz 2014!
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
Com a palavra: Apesar de caminhos
Pela rua caminho
sem saber para onde vou
Pela rua caminho
sem saber onde estou
Procurando respostas e perguntas
Pela rua caminho
Apenas querendo saber,
quem sou?
Na beleza da noite me inspiro
na luz de um poste, em um banco de praça
e me vejo como a lata de lixo que sou
E apesar de caminhos,
sem pensar
para onde vou
me pergunto
Por Gabriel Romero
Foto Rodrigo Carvalho
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
O cidadão temporário da cidade parcial
Sávio quando nasceu recebeu esse nome em homenagem ao grande craque do time do pai. Nasceu na cidade de Natural. Um lugar muito bonito, sem dúvidas. Assim como Sávio, a cidade recebeu o nome também por uma razão. Natural havia se estruturado em função de sua exuberante natureza. Quase toda a economia se baseava nessa natureza da cidade e naturalidade de sua gente.
Ali surgiu um povo que se dizia leve, mas que aos olhos de quem vinha de fora parecia quase leviano. Muito alegre e festeiro, mas um tanto dessa euforia beirava a irresponsabilidade. Natural tinha tanta beleza, tinha tudo já ali, na mão, que seu povo acostumou-se. Acreditavam que mereciam e ponto. Lá no fundinho achavam que tudo se resolveria, se organizaria, se faria "sozinho". Afinal, tudo que havia de melhor na cidade já estava pronto, ali, para ser desfrutado.
Sávio cresceu um típico naturalense. Passava a semana no caos. De segunda à sexta, mecanicamente, vivia o desgaste da desorganização, da desunião, de todos os transtornos. Mas no fim de semana... ia à praias, eram várias, subia as montanhas, tomava um banho de cachoeira e terminava o dia aplaudindo o pôr do sol. Ia dormir se achando o cara mais sortudo do mundo por causa daquele dia, daquele sol.
Sávio tinha um trabalho temporário, num consórcio temporário que construía uma das muitas pontes temporárias de Natural. A ponte serviria para desviar o trânsito temporariamente, enquanto era executada uma obra para construir uma lagoa em Natural. A cidade tinha praias, cachoeiras, montanhas, mirantes, trilhas, etc. Mas essa lagoa que estava sendo construída, traria investimentos, empregos, desenvolvimento e segurança para aquela área. O povo sabia que na realidade seria uma área para os turistas. Sabiam que não teriam acesso ao espaço que seria construído. E continuavam dormindo todos os dias pensando que os milionários que frequentariam a lagoa é que tinham inveja deles, pois não viviam todos os dias naquela cidade incrível em que o transporte e o trânsito eram vergonhosos, onde os empregos eram temporários ou sazonais, em que tudo era difícil, árduo, arriscado mal pago ou não funcionava.
Foto: Rodrigo Carvalho
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
Com a palavra: Amor Cotidiano
Com cabelos vermelhos, andando na rua
a vejo
Ah, o amor, penso eu
E, quando ela passa por mim,
inalo seu doce perfume, flutuo
Agora, meu coração, agora. Bate no
ritmo de seus passos
Ao me deitar me dou conta
Sou um apenas mais covarde
Porque não disse ao menos um olá?
Um abraço perdido,
Um beijo não encontrado
Um amor ao vento
E, quando finalmente não há mais saída,
em meu leito de morte eu recordo.
Ontem, eu a vi na esquina.
E percebo que, essa menina.
A de cabelos
vermelhos que tanto me encanta,
Seria a mesma que eu não tivera
coragem de dizer um olá dez anos
atrás.
E finalmente percebo que a vida...
A vida não passa de uma ilusão.
Por Pablo Accioly
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
Choro
Choro por dentro e por fora. Por dentro pois o choro não precisa virar lágrima para ser doído, para ser concreto. Ás vezes não dá para segurar e, tudo bem, eu não estou nem aí. Ás vezes ele vem para fora mesmo que eu lute, e muito, para guardá-lo dentro.
Choro por dentro, quando vejo uma senhora acompanhada de um menino, com o pé engessado, descer do ônibus na entrada do morro São Carlos, voltando de um dia inteiro de espera no hospital, e tomando fôlego para chegar lá em cima. Choro por dentro e por fora, quando vejo o sorriso surpreso do mendigo catador no Largo do Machado recebendo o refrigerante gelado de minhas mãos. Aquele refrigerante que eu não quero mais, mas que levo comigo até achar alguém que o deseje. Afinal querer e desejar, volta e meia, são coisas bem diferentes.
Choro quando vejo meninos prendendo outros meninos em postes e cortando suas orelhas como se vivessem em estado de natureza*. Perco a fala como se assistisse a uma versão ao vivo de O Senhor das Moscas*. Choro pensando que nenhum dos meninos, por razões diferentes, entenderia minha comparação. Choro pelo menino negro na calçada do Leblon que olha, distraído, como se por um segundo esquecesse de tudo, o brinquedo tão bacana na mão daquele outro menino, branco que espera o sinal fechar.
Choro quando vejo a injustiça e a sordidez estampados na capa da revista, na primeira página do jornal. Choro quando percebo os tantos que reclamam e continuam consumindo a sordidez e a injustiça do jornal e da revista. Choro ainda mais quando vejo que, muita gente que poderia ir além, se detém, ali, na frase, na parte, na legenda da foto. Choro em pensar que, tantas vezes, o autor da manchete se satisfaz tanto com a incerteza e a ignorância, quanto seu leitor.
Choro, claro, quem não (?), ao ver tanta coisa mudar de mão, perder o rumo, o tom. Choro ao passar pelo caminho que fazia para ir à escola e noto a padaria tradicional, fechada, a placa de aluga-se/vende-se. Choro, perdida numa cidade de referências pré-fabricadas. Sinto-me como se fosse uma criança que não sabe para onde ir. Choro quando lembro quem eu sonhava que seria possível ser.
Choro sem chôro na feira. Sem arte na rua. Enquanto tudo parece azul, cada vez mais, fica quem sem cor e sem som. Choro pelo fato de existir a necessidade de se recorrer à justiça para garantir às pessoas o direito ao seu espaço. Choro quando o umbigo é maior que o nós. Quando percebo que tudo de nada importa, afinal, ainda tem cerveja. Fica lá o trapezista de todos nós solto no ar enquanto dá, ou enquanto houver chão. Fica sem palco o ator. Fica sem harmonia a canção. Fica um marasmo só.
Choro quando vejo tantas coisas de que me orgulhei perderem a função. Parece não haver relação entre as coisas com as quais se compactua e o que se prega. Choro, bastante, pela minha profissão. Pelo que fizeram dela, com ela. Choro, então, por um pouco de coerência enquanto continuo atenta para não perdê-la de vista.
Choro, às vezes de agonia. Choro de ver cada vez mais calada aquela voz. De perceber que por lentes distorcidas, sem muito foco nos confortamos em abrir, mesmo, mão da cidadania. Armamos sempre esse desbotado "circo sem futuro"* onde somos os palhaços sem sorriso, somos o desânimo dos animais esquálidos. Choro porque continuamos comprando discursos vis, tristes, secos, envelhecidos.
Essa semana choro de indignação, choro em solidariedade, choro de dor, de verdade, choro de medo, choro por mim, pelo futuro, por todos e tantos nós. Choro, agora, realmente para botar para fora. Choro para fugir, para não encontrar. Choro, por fim, para ver se quando eu abrir os olhos, tudo isso foi embora.
*estado de natureza - Momento anterior ao Estado em que valia apenas a lei da força e não havia justiça. Período que precede o "contrato social".
leia mais sobre estado de natureza
* O Senhor das Moscas - Lord of the Flies - escrito por William Golding, 1954.
Filme (Leg, Dir. Peter Brook)
Filme (Leg, Dir. Peter Brook)
* Menção à música: "O Palhaço do Circo sem Futuro" - Cordel do Fogo Encantado
sábado, 8 de fevereiro de 2014
Os calouros e os calados
A semana de volta às aulas, na verdade é um processo, certo? Compram-se livros, estojos, mochilas, tênis, etc. É um verdadeiro natal prolongado para alguns setores do comércio e da sociedade. Para os filhos das classes médias e altas, é claro. Os mesmos que ocupam a maior porcentagem das vagas nas universidades, mesmo com o sistema de cotas.
É nesse período do ano que surgem nas ruas os calouros com o corpo pintado e um copinho de moedas na mão. O clima é de festa. A chegada na universidade é, sem dúvidas, um momento quase mágico. Agora estudaremos aquilo que nos interessa. A partir desse momento, cuidaremos nós mesmos da nossa trajetória educacional. Por um lado, os pais já não podem mais intervir junto à direção ou professores. Por outro lado a liberdade de escolhas aumenta. É na universidade que conheceremos as pessoas que farão parte da nossa vida adulta. Agora o professor não é apenas o chato que te manda guardar o celular, é o seu futuro empregador ou aquele que vai indicar você para o emprego, então, melhor impressioná-lo.
Os calouros tentam nos sensibilizar para doar dinheiro para as choppadas. E, a professora que vos fala, fica muito irritada com tudo isso. Antes de qualquer análise, gostaria de deixar claro que na faculdade que cursei não havia esse sistema. O trote ou recepção de calouros consistia em doação de livros didáticos ao PVNC* e sentar com os veteranos para uma cerveja paga com nosso dinheiro, calouros e veteranos.
Mas afinal, por que razão eu me irrito com os pobres calouros da universidade pública?
Pois a sociedade que defende a justiça com as próprias mãos, que diz "bem feito" ao menino que foi trancado no poste nu e teve a orelha cortada, enquanto assiste ao canal de notícias via gato na TV à cabo, é a mesma que se sensibiliza com a história do "mendigo gato" - branco, louro de olhos azuis - quase um "mendigo gringo".
Qual o destino de uma sociedade que acredita que uma bolsa do governo no valor de R$ 90,00 fará com que o pobre viva "encostado no governo sem trabalhar", que ignora as crianças famintas na rua (que um dia poderão estar trancadas em postes) e doa, sorrindo, R$10,00 para os filhos da elite encherem a cara de álcool na chegada ao curso de medicina?
Acham que não vale a pena dar R$2,00 ao indivíduo que mora na rua, não tem WC, cozinha, comida, colchão. Que é roubado durante a noite, enquanto dorme, para em seguida ter a perna mordida por um rato. Ele não merece dinheiro, pois vai usá-lo para beber e, como já vimos, ele não tem razões para isso. Quem tem motivo para isso é o rapaz que ao sair da escola, passou mais um ano sem trabalhar, fazendo cursinho para entrar numa boa universidade de odontologia, essa paga com os impostos de todos nós.
Não é à toa que é bem raro ver alguns cursos optarem por uma recepção tão pouco criativa e que ignora a função social da Universidade. Nunca vi alunos de História, Geografia, Pedagogia, Serviço Social, Filosofia, Ciências Sociais, entre outros pelas ruas pintados pedindo dinheiro. Eles jamais iriam para a rua competir, e ganhar, em "esmolas", com aqueles que não tem outra opção para conseguir comer mais um dia. E se foram em algum momento, é prova de que falta-lhes um importante requisito para profissões da área de humanas: o humanismo.
Eu, ao ser abordadas por eles, tento sensibilizá-los para a nossa realidade. Sempre me choca que ainda optem por esse sistema de recepção de calouros, mas... minha profissão é, justamente, ajudar a questionar certas estruturas e práticas da sociedade. Pergunto se eles acham bacana estar nessa posição. Se acham normal que os transeuntes contribuam com altos valores para os trotes e finjam ignorar aqueles à quem não restou nem a esperança. Tento falar um pouco mais alto para, quem sabe, conseguir também atingir pelo menos um transeunte. E, volta e meia, tenho que me segurar para não intervir na doação de alguém ao meu lado, num sinal de trânsito, por exemplo. Encerro pedindo que, quando for a vez dele de organizar o trote, opte por um trote mais solidário, menos "umbiguista".
Na década de '90 a faculdade de Londrina, no PR, ocupou as páginas policiais dos jornais após um trote de medicina que terminou em violência. A reitoria ameaçou proibir o trote do curso. O centro acadêmico, entidade representativa estudantil, apresentou uma contraproposta: fariam um trote solidário. No ano seguinte quando chegaram os calouros, os veteranos pediram novamente doações, porém, dessa vez, eram doações de sangue. Fizeram jus à função social da universidade.
Sugiro, então, um exercício para você que concorda com meus argumentos. Da próxima vez que for abordado pelo calouro bata um papo, não dê dinheiro, pense no valor que daria, e siga seu caminho. Poucos metros depois, você certamente encontrará algum pedinte de verdade, doe a ele o valor que você doaria ao calouro. E, quando for a sua vez... tente fazer diferente.
* Pré Vestibular para Negros e Carentes
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
O mundo é o que você consome
Muito se tem teorizado sobre os "rolezinhos". Grande parte do que eu li, achei besteira. O único viés político é o esgarçamento do racismo nacional. Essa é uma luta longa, mas que tem avançado, mesmo que timidamente. O que me salta aos olhos nessa situação é ver o simbolismo do consumo na nossa sociedade. Também não é novidade, mas tem sobrepujado os demais valores. Antes ser "cool" ou "descolado" significava, além de ostentar marcas, possuir algum conhecimento e ética.
Uma das máximas que circularam pelas redes sociais (como se houvesse realmente mais de uma) era a do rolezinho na biblioteca. Se o rolezinho é uma tentativa de se usufruir de algo próprio da elite. Tal frase só faria sentido, se a elite frequentadora dos tais shoppings, também frequentasse a biblioteca. O que bem sabemos, não é verdade.
Cada vez mais a elite nacional é aculturada. Cada vez mais essa elite fomenta a ideia de que "agregar valor" é se tornar um outdoor ambulante ostentando marcas que localizam socialmente o indivíduo acima dos demais. É necessário consumir para pertencer. Os valores se perdem em meio aos preços.
Concomitantemente, também é possível se destacar pela esperteza regulada pela lei do menor esforço. O mesmo cidadão que se gaba de possuir o smartphone último modelo, "tira onda" por que pegou um sanduíche de graça no festival de rock, ligado, claro, muito mais às marcas que ele consome do que à música que ouve.
Se a nossa elite realmente frequentasse as bibliotecas, os cinemas, os centros culturais e teatros, não teríamos finalmente o povo que desejamos? Não seriamos finalmente o país que sonhamos?
Quando me refiro às elites não falo apenas do tal 1% mais rico do país, falo de nós também. Sim, temos acesso a muitos bens culturais que fazemos questão de ignorar. Jogamos fora o privilégio de termos autonomia e consciência com relação ao que vamos consumir. Não conhecemos nossos autores, nem os de outros países a menos que sejam best sellers, e aí quem escolheu para você foi, sei lá, o New York Times. Não ouvimos nada que não esteja no rádio ou na trilha das novelas (alow jabá! olha aí você de novo não escolhendo). No cinema, qual o último filme que você viu que não era hollywood/globofilmes? Quantos sites de incentivo coletivo você conhece ou já contribuiu? Quantos shows/festivais de bandas locais que não eram de amigos? Epeças de teatro que não tinha o pessoal da comédia atual ou atores globais? E mesmo assim a gente reclama, não é?
Reclama que a Educação é uma droga. Que o país não vai para frente. Que as rádios são ruins. Que a tv aberta é péssima. Que o festival de rock não tem rock. Que o produto eletrônico é muito caro. Que não tem nada para fazer nessa cidade. Que o povo não sabe votar. Que todo mundo rouba. Que a globo manda na cidade. Que no BBB só tem ignorante. Que o povo é burro. Que o preço é alto. Que ninguém quer saber de nada. Que ninguém faz nada.
Mas é justamente isso que acontece quando não refletimos sobre o nosso consumo. Quando esquecemos que depende de nós, também, compactuar ou não. Conhecer ou não. Comprar ou não. Incentivar ou não. Ir além ou não. Ter escolhas ou não.
E assim, no ano do vestibular, temos possíveis cineastas, iluminadores, músicos, atores, escritores, radialistas, estilistas, pintores, intelectuais, cientistas, pesquisadores, etc. talentosos escolhendo administração "para não morrer de fome".
Assinar:
Comentários (Atom)

















