segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O cidadão temporário da cidade parcial

Sávio quando nasceu recebeu esse nome em homenagem ao grande craque do time do pai. Nasceu na cidade de Natural. Um lugar muito bonito, sem dúvidas. Assim como Sávio, a cidade recebeu o nome também por uma razão. Natural havia se estruturado em função de sua exuberante natureza. Quase toda a economia se baseava nessa natureza da cidade e naturalidade de sua gente. 

Ali surgiu um povo que se dizia leve, mas que aos olhos de quem vinha de fora parecia quase leviano. Muito alegre e festeiro, mas um tanto dessa euforia beirava a irresponsabilidade. Natural tinha tanta beleza, tinha tudo já ali, na mão, que seu povo acostumou-se. Acreditavam que mereciam e ponto. Lá no fundinho achavam que tudo se resolveria, se organizaria, se faria "sozinho".  Afinal, tudo que havia de melhor na cidade já estava pronto, ali, para ser desfrutado.

Sávio cresceu um típico naturalense. Passava a semana no caos. De segunda à sexta, mecanicamente, vivia o desgaste da desorganização, da desunião, de todos os transtornos. Mas no fim de semana... ia à praias, eram várias, subia as montanhas, tomava um banho de cachoeira e terminava o dia aplaudindo o pôr do sol. Ia dormir se achando o cara mais sortudo do mundo por causa daquele dia, daquele sol. 

Sávio tinha um trabalho temporário, num consórcio temporário que construía uma das muitas pontes temporárias de Natural. A ponte serviria para desviar o trânsito temporariamente, enquanto era executada uma obra para construir uma lagoa em Natural. A cidade tinha praias, cachoeiras, montanhas, mirantes, trilhas, etc. Mas essa lagoa que estava sendo construída, traria investimentos, empregos, desenvolvimento e segurança para aquela área. O povo sabia que na realidade seria uma área para os turistas. Sabiam que não teriam acesso ao espaço que seria construído. E continuavam dormindo todos os dias pensando que os milionários que frequentariam a lagoa é que tinham inveja deles, pois não viviam todos os dias naquela cidade incrível em que o transporte e o trânsito eram vergonhosos, onde os empregos eram temporários ou sazonais, em que tudo era difícil, árduo, arriscado mal pago ou não funcionava.  

Foto: Rodrigo Carvalho

Era como todo naturalense, um cidadão temporário. Mas antes de tudo era um cidadão temporário consciente. Alguns assumiam que não tinham muita paciência de ficar pensando nas mazelas da cidade, preferiam "curtir" o que ela oferecia, de graça é claro. Alguns confessavam que preferiam não ter que se aborrecer, e viam o lado bom de não ter todo esse trabalho. Outros para não se sentirem culpados, diziam logo que tudo estava errado, como quem justifica por que nem valeria a pena começar. No fundo sabiam que se natural realmente funcionasse e se organizasse eles também teriam que funcionar e se organizar, e aí, dá uma preguiça...


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