quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Laico sim, ecumênico não.





Todas as manifestações pela tolerância religiosa são de IMENSA importância, nos dias de hoje.
E o fundamentalismo não é privilégio nosso, não. Mesmo em um dos berços da liberdade religiosa do mundo, os EUA, o fundamentalismo de todas as ordens mata. Em países de tradição autoritária como o nosso, ou a Rússia, o fundamentalismo se traduz em leis que obrigam a todos nós vivermos sob os preceitos religiosos dos outros. Além é claro à da violência, intrínseca a ideia de dogmática da verdade absoluta, das religiões.

Diante de todas as guerras e matanças promovidas pelos ideais religiosos na história da humanidade, ver líderes e fiéis das mais diversas orientações religiosas juntos, pregando a tolerância, é bonito e acalma o coração. Dá esperança, pois permite pensar que, apesar de todo o dogmatismo essencial da religião, é possível um modo "Live and let live!" de lidar com a diversidade. Embora no segundo seguinte a esperança se desfaça.

Entretanto, percebo também, nesses eventos, o quanto estamos distantes de compreender a liberdade, a tolerância e, principalmente o Estado Laico. Defende-se, aparentemente, a liberdade religiosa, mas no sentido da liberdade de escolher uma, entre as religiões existentes, ou de fazer escolhas à la carte, pinçando nas religiões e filosofias da espiritualidade o que bem lhe aprouver, até mesmo criar uma nova. Nesses eventos o discurso é o de um Estado ecumênico e não laico.

Vivemos em um país que se declara, em sua maioria, cristão. Mas que, desde os tempos do rei, como diz Manoel Antônio de Almeida no delicioso romance, (que é quase uma etnografia do Rio imperial), Memórias de um Sargento de Milícias, da elite aos escravos, os terreiros sempre foram frequentados pelos brasileiros. Somos herdeiros da tradição ibérica portuguesa, que se aliou a Igreja Católica na Contrarreforma, sendo um dos locais onde os Tribunais da Santa Inquisição foram mais relevantes. Ao longo de nossa história, solidificamos no senso comum essa ideia da nação cristã, apesar de todos os sincretismos.

O senso comum nacional opera com a noção de que a “espiritualidade” é um bem, e que é importante tê-la. Parte-se do princípio que de que todos têm uma religião, mesmo que seja diferente da sua. Tanto é assim, que é comum a pergunta: “Qual a sua religião?” e não “Você tem uma religião?”. Da mesma forma que, quando morre algum parente são poucas as declarações de “meus sentimentos/pêsames” e muitos os discursos de vida após a morte. Eu, que sou ateia declarada, já ouvi até coisas como: “Eu sei que você não acredita, mas ele/a foi ao encontro de deus...”. Agora imagina o contrário. Imaginou? Pois é... o ateu seria taxado de desrespeitoso... mas, tudo bem... a gente ouve aquilo tudo, faz que sim com a cabeça e segue.

            Essa digressão do parágrafo acima, é só uma tentativa de exemplificar como, em geral, por aqui, parte-se do princípio de que todos acreditam em algum mundo sobrenatural. E que, essa suposição, traz no subtexto a crença de que a religião (ou espiritualidade) é como fígado, todo mundo possui. Mais ainda, confunde-se ética com religião. Como se sem a religião, ou seja, sem o medo do castigo divino, o ser humano não fosse capaz de viver em sociedade respeitando os seus limites. Portanto traduz-se “laico” por “ecumênico”.

            Sempre que há contestação acerca de uma lei que viola o laicismo constitucional, os argumentos contra a suposta lei são de ordem ecumênica, e não laica. Em diversos casos divulgados pela mídia, em estados e municípios brasileiros, quando se discutiu instituir que escolas incluíssem liturgias cristãs, ou aulas de religião no currículo, as emendas propostas, eram no sentido de incluir outras religiões. Estado ecumênico é aquele cuja política educacional institui religião como disciplina obrigatória, com currículo que abarque as diversas religiões. Estado laico não inclui a religião na política educacional.  E sabe onde foi que me ensinaram isso? Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, instituição religiosa a quem devo toda a minha formação profissional.

            Foi na PUC-Rio, que cursando uma disciplina obrigatória denominada “O homem e o fenômeno religioso” o padre, que era o professor, explicou a postura da universidade acerca das disciplinas de teologia. Lá aprendi sobre muitas religiões, mas principalmente sobre o respeito à liberdade religiosa e ao Estado laico. Nunca escondi que era ateia, e nesse quesito, foi lá onde me senti mais respeitada, principalmente pelos padres professores e colegas. Claro, que há os radicais, mas o pensamento deles não interfere com a liberdade de expressão, e de produção de conhecimento, de acordo com a minha experiência.

            Voltando à questão inicial, tribunais com crucifixos, não condizem com um Estado laico. Mas, tampouco seria condizente se os tribunais sustentassem panteões de diversas religiões. Em um Estado laico, as religiões não estão todas representadas. Ao contrário, elas são tema de debate público, apenas com relação à liberdade de exercê-la, respeitando-se princípios primordiais como a vida, por exemplo. A religião em Estados que optam pela laicidade não deve, principalmente, pautar decisões políticas que se transformam em leis que obrigam a todos, violando a liberdade de consciência, observados seus limites de ação.

Nenhuma liberdade de consciência é plena quando se traduz em ações que dela derivam. Somos limitados pela lei. O limite é dado em função da ideia de que, todos são indivíduos de igual valor, em tese.  Mas não é assim na realidade, há várias clivagens e hierarquias sociais que se entrelaçam e combinam, escalonando o valor dos indivíduos. Com relação à religião não é diferente, algumas são mais fortes do que outras. Nesse suposto gráfico que escalona as religiões, as afro-brasileiras estariam abaixo daquelas monoteístas. E os ateus, ou estariam fora do gráfico, ou em algum patamar negativo, abaixo das afro-brasileiras.

Dessa forma, o discurso que se propaga em mobilizações como a ocorrida em Copacabana em setembro de 2017, precisa da presença das associações de ateus. Hoje elas existem, e lutam pelo Estado Laico. Acabam muitas vezes reagindo de uma forma ruim, pouco profícua para seus objetivos norteadores. Entendo que é cansativo. A maioria das pessoas que eu convivo, não pauta sua vida sua vida pela religião, mas imagino que há ateus que vivem rodeados de questionamentos, em universos muito diferentes do meu, aí acabam reagindo com sarcasmo.  Mas é preciso ser mais racional, e engolir alguns sapos em prol de conquistas maiores e mais profundas. 

Uma série de perguntas, e afirmações, são feitas para nós, e não são consideradas desrespeito (recentemente uma amiga que sabe que sou ateia me enviou um salmo pela internet). Mas o contrário quase sempre é ofensivo. Só recentemente expressões como “não tem deus no coração” foram publicamente denunciadas pelo preconceito contido nelas e punidas. É preciso focar em questões como a divulgação da diferença entre laico e ecumênico. E lutar pelos avanços simbólicos, que colaboram com a distinção desses conceitos, como a exclusão de símbolos e liturgias religiosos nas casas públicas, na moeda, nas escolas públicas. Lutar contra benefícios fiscais concedidos às instituições religiosas, enquanto livrarias, centros e institutos culturais e artísticos, etc. não recebem a mesma proteção, a despeito de sua função social.

Os religiosos costumam dizer que um Estado Laico não é um Estado ateu. E nisso têm toda a razão. Mas há, ainda assim uma confusão nesse discurso, pois da mesma forma que é possível um Estado ter uma religião oficial e liberdade religiosa, também seria um Estado ateu com liberdade religiosa, não? Um Estado ateu assumiria como princípio, como pilar, a ideia de que deus não existe. Um Estado Laico não possui uma posição oficial, pois entende que uma religião, ou todas elas, não devem pautar leis que ferem liberdades individuais.

O S.T.F., tribunal de maior autoridade no país, que decide acerca da interpretação da Constituição Brasileira, decidiu ontem (27/09/2017) pelo ensino religioso confessional nas escolas. Decidiu assim, em função da abertura que há na Carta Magna para tal interpretação. Vale dizer, por ser o nosso laicismo uma bizarrice, ou nas palavras do professor Luis Felipe Miguel (UNB), em sua página no Facebook:

“O Estado laico no Brasil sempre foi meio vagabundo - tem invocação de Deus na Constituição, tem Deus na cédula, tem crucifixo nos tribunais, tem reza em escola pública. Outro dia estive num posto de saúde e deparei com uma tela com a imagem de Jesus Cristo feita num estilo de imitação de Romero Britto, um negócio de fazer qualquer um enfartar. Mas a decisão do STF é um enorme passo atrás e joga todos os não-crentes na posição de párias.”
Parte superior do formulário

     Somando tal decisão às reformas do Ensino Médio, da CLT e eleitoral do governo Temer o que temos é a receita para um desastre. A relação entre IDH e religião é inversamente proporcional, e diversos estudos atestam isso. Países cuja população em sua maioria não é religiosa, ou se é espiritualizada não é vinculada a instituições religiosas ou religiões pré-definidas, como os países nórdicos e a Holanda, ocupam as primeiras posições mundiais no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano. Enquanto países de culturas altamente permeadas pela religião, com instituições fortes, em geral, são autoritários e desiguais, como é o caso da África do Sul ou do Oriente Médio.



     Banindo direitos e conteúdos escolares e ocupando cadeiras com líderes religiosos, além de todas as implicações para o poder aquisitivo do trabalhador, trazidas pelas reformas, o que teremos será, se já não é, bem próximo de um Estado teocrático que não incorpora a liberdade religiosa ou de consciência. A instituição religiosa que agora ocupa a prefeitura do Rio de Janeiro possui um grupo paramilitar! De modo que, ou as demais religiões adotam um discurso laico, abandonando o ecumenismo, e os ateus se organizam, ou em breve teremos as prerrogativas preenchidas para os pedidos de asilo político. 




quarta-feira, 27 de setembro de 2017

ANAUÊ, Ana Paula do vôlei... ou a "pátria" particular de Ana Paula

Eu fiquei realmente chocada com o texto da ex-jogadora de vôlei Ana Paula, publicado FOLHA de SÃO PAULO sob o título Filhos da Pátria, no maior estilo integralista do novo milênio. É tanto absurdo que não me contive e resolvi responder alguns trechos (que transcrevo abaixo) que me causaram mais espanto.
Segue meu "papo" com a Ana Paula



“Acredito que você já ouviu falar que eu e Ana Moser não somos melhores amigas. O que talvez você não saiba é que quando estávamos juntas defendendo o Brasil nas quadras daríamos tudo, como demos, uma pela outra.”
Isso Ana Paula, chama-se ser adulto.
Tds nós trabalhamos com quem não gostamos e engolimos para realizar trabalhos muitas vezes com impactos muito maiores na vida da população brasileira do que ser o melhor do mundo no vôley.

“a oportunidade de mostrar ao mundo a força e o talento do nosso esporte eram infinitamente maiores do que qualquer desavença ou picuinha.”
Cara atleta, eu tenho muita dificuldade em entender por que razão deveríamos estar preocupados em mostrar ao mundo o talento esportivo brasileiro. Pode ser uma dificuldade minha, mas ainda acho melhor o Banco do Brasil investir em tecnologia, que é produto com valor agregado (Pergunta ao Aécio o que é isso que ele explica), e nos torna mais relevantes e competitivos no cenário internacional, do que troféus e medalhas. Talvez por isso os países com maior IDH no mundo, não sejam grandes campeões olímpicos, sei lá...
Fico na dúvida, se você entendeu a razão do protesto dos atletas norte-americanos. Prefiro achar que você não entendeu, do que achar que você chama o fato de a  polícia executar cidadãos negros, e sair impune de “picuinha”.

"E se perdermos a América, Deus tenha piedade de nós."

Fiquei confusa aqui. Nós quem? Os norte-americanos? Mas você não defendeu o Brasil nos campos? Só para lembrar, naquela aula de geografia que você faltou na escola, por que estava treinando, ensinaram que América é um continente e Estados Unidos DA América um país. Só para esclarecer...

“protagonistas dessa ingratidão com os heróis que deram tudo pelo país que hoje esses jovens milionários, mal informados e mimados, desdenham.”
Tô confusa, caríssima, de novo... os milionários, mal informados e mimados são quem mesmo? Pois, parece-me mal informado quem não sabe que nos guetos negros, longe dos bairros milionários e mimados, a polícia, primeiro atira, e depois pergunta.

“A arquibancada ainda é patriota.”
Bom, por aqui nos telejornais, mostraram só os jogadores e não a torcida. Fica o questionamento, (para mim, que não acompanho esportes, ainda mais os gringos), quanto custa o ingresso para um jogo? Quem compõe essa arquibanda? “Milionários, mimados e mal informados” como você?

“Esportistas como os astros da NFL fazem parte de um panteão de ídolos que servem de modelo e exemplo para as crianças que vêem neles, ou deveriam ver, o resultado positivo de anos de esforço, dedicação, persistência, resiliência e superação.”
Há muito que não. Pelo menos, não para muitas mulheres... sugiro que vc assista ao documentário The Hunting Ground e veja a relação numérica de atletas acusados de estupro nas universidades norte-americanas. O super nadador, que não me lembro o nome, mas que não esquecerei jamais que tomou um porre na Olimpíada do Rio, inventou que foi assaltado e foi, na realidade, desmascarado pela polícia. Posso citar exemplos, também do nosso país: Neymar sonegador, Bruno assassino ... O tempo de exemplos como Ana Moser e Sócrates já passou, infelizmente, e com eles, foi também o pouco de admiração que pessoas, como eu, têm com esporte profissional.



“Se os ídolos desta geração não podem mostrar um mínimo de respeito e reverência aos símbolos nacionais por dois minutos, como justificar que outros façam sacrifícios reais pela pátria? Como lutar até a morte pela bandeira que envergonha os astros da nação? O que dizer para viúvas, pais, mães, irmãos e filhos que perderam seus entes queridos nos campos de batalha?”
Diga: Anauê, Ana Paula!

“mas quando o radicalismo ideológico de uma geração desorientada, perdida e manipulada derrota os laços mais básicos que unem o país, começamos a trilhar um caminho que não pode terminar bem”
Foi mal Ana Paula, eu estava tentando manter o nível, mas... aqui falou a “pata” da FIESP, neam?
Conte-me... o quanto “desorientada, perdida e manipulada” vc estava quando apoiou publicamente o Aécio? 
Ou estou sendo arrogante e você, da mesma forma que acha que protestar contra a execução de inocentes por parte da polícia é "picuinha", deve achar que um helicóptero com 1/2 TONELADA de pasta base de cocaína é uma bobagem também. 

“Ali não somos Ana Paula ou Ana Moser, somos o Brasil.”
Aí está o grande problema interpretativo dos atletas. Não, meu bem, a seleção de vôlei não é “o Brasil”, é apenas a seleção de vôlei “do” Brasil. O Brasil é feito pela gente que nasceu e que vive nele. É feito de milhões de brasileiros que no dia a dia da luta pela sobrevivência, seja na favela ou seja na floresta, não tem tempo ou tecnologia para sequer lembrar que você existe. 
Pense no esporte mais popular do Brasil, o futebol. Existem times competitivos no Maranhão? No Acre? Não... eles se concentram nos estados mais ricos. No nordeste os times da série “A” estão na Bahia e em Pernambuco, estados historicamente importantes da região. De resto estão os times do sudeste e do sul. Isso, Ana Paula, acontece pq não existe tal coisa como “o” Brasil. São muitos os “brasis” dessa “nação”. Há a nossa realidade privilegiada; há os negros que morrem nas mãos da polícia nas periferias, como nos EUA; há os lavradores que morrem nas mãos dos grandes proprietários no norte e nordeste, como os índios; há as crianças que se prostituem para alimentar a família... será que eles preferem saúde, educação e moradia, ou uma seleção campeã?

“Uma das lições mais importantes da política é que não devemos e não podemos politizar cada momento das nossas vidas." 
De novo, não. A grande lição que nos resta aprender enquanto “nação” é que a vida É política. E que tudo que decorre da política têm impactos diretos na vida de todos, que não devemos deixar “para lá”. Não é uma escolha politizar os momentos de nossas vidas, pois eles são políticos por essência. Acho que vc devia procurar entender melhor o que significa política...

Ao contrário de você, acho vergonhoso que os atletas-celebridade desse país só usem sua imagem pública para louvar a deus e a si mesmos. Acho triste que nossos atletas não pareçam se sensibilizar com a realidade das nossas crianças negras, índias e pobres que morrem todos os dias pela opressão. Realidade essa, que tantos deles já viveram. Que o ídolo maior Neymar não só não defende “o Brasil” como deixa de pagar os impostos que bancam a educação das crianças suas fãs... Isso sim, Ana Paula, é jogar contra o Brasil... Ao contrário de você, essa atitude dos atletas norte-americanos me trouxe de volta a fé na humanidade dentro do esporte profissional...
No mais é isso...

Comte e Plínio Salgado te mandaram uma beijoca! 

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Destinos possíveis, retornos prováveis

Às vezes dá um desespero, parece com aqueles pesadelos nos quais a gente grita e não sai som. Parece que de repente, numa piscada, a gente perdeu o controle, que nunca teve, e a vida tomou outros rumos. Começamos a reavaliar a trajetória, tentando entender em que ponto da estrada demos essa tal piscada.

Não, não tem que ser assim. Nem sempre é. Para algumas pessoas a vida é uma viagem em uma estrada alemã. Seguem firmes, sem barreiras, sem buracos. Quando a gente olha parece que eles têm o controle total. Se têm mesmo, eu não sei, mas se não o têm, parecem lidar melhor com isso. 

Eu não estou falando de uma vida marcada pela tragédia. Estou falando de algo bem mais sutil. Não há nenhum evento marcante. Nada trágico, nenhuma grande guinada. É um nada que vai acontecendo e levando aos poucos para outras direções. Quando nos damos conta... onde estamos? E principalmente, como viemos parar aqui, se íamos para outro lugar completamente diferente?! Dá tempo, tem como retornar? Ainda dá?

Algumas vezes dá, depende da distância a que paramos do local para onde íamos, se nos perdemos de nós nesse caminho... enfim, depende. Outras vezes não dá, o tempo passou, nos distanciamos tanto de nós mesmos que, antes de mais nada, é preciso se encontrar; as circunstâncias não permitem mais. Podem ser muitas as razões. Pode ser possível retornar em alguns pontos, outros não.

Ainda que dê para retornar, que se saiba como, é bem provável que seja mais difícil, que já se esteja cansado, lento. O retorno exige mais esforço, o caminho fica mais longo. A cada obstáculo o cansaço aumenta. A cada buraco a queda fere mais. É preciso que nos concentremos cada vez mais em nós para conseguir retornar. Mas como fazer isso, sem perder a beleza que se apresenta no caminho? Como não se distrair com as ninfas? Como não se amedrontar com as sombras?

Encontrar essa exata medida, entre nós e o caminho, já é, em si, uma trajetória. Percorrê-la é doloroso. Confrontar-se dá trabalho, nem todo mundo está disposto. Seja qual for o caminho, a beleza, a distração das ninfas, o medo das sombras... a única verdade absoluta é a de que o percorremos sozinhos. Só a nós mesmos interessa, de fato, o destino final. É só a partir dessa constatação que qualquer retorno se torna provável.


180º

Esse blog nasceu da minha vontade de poder me aprofundar em temas com os alunos. Um aprofundamento não compulsório, para quem quisesse ir além. De lá para cá, e de Brasília à minha sala de aula, muita coisa mudou. Eu, naturalmente, mudei também. E pensei que nada seria mais natural do que fazer com que esse espaço também se transformasse.

Manterei alguns textos que por aqui estiveram, outros não. Pode ser que ainda apareçam textos de alunos daqui para frente, se houver quem se disponha. Mas resolvi tomar conta desse espaço e escrever sobre o que eu quiser, como estiver afim, sem as amarras pedagógicas que antes me limitavam.


Aos poucos, muda o visual, o conteúdo, a finalidade... exatamente como a vida, como nós. 






quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O começo do fim?




Eu nasci no ano da Lei da Anistia. Sempre gostei disso. Nasci num ano em que amigos, pais, filhos se reencontram, alguns depois de muitos anos, outros de muita dor física também.

Cresci achando, mesmo, que eu devia àquelas pessoas a oportunidade de viver num país que logo seria democrático. Radicais ou não, essas pessoas tinham o que o ser humano, em minha opinião, tem de melhor: o amor. Um amor tão grande pelo povo, uma empatia tão enorme pela miséria (que muitos deles nunca viveram), que os mobilizou a colocar a vida em risco, a viver sob a ameaça da tortura e do desaparecimento. A tortura meus amigos, tem natureza latente, a simples ameaça é concreta, não simbólica.

Vi Tancredo morrer, Sarney assumir. Vi um sem número de moedas e zeros cortados. Acompanhei as eleições de 1989 com o mesmo brilho nos olhos que tinha a minha mãe. Mulher guerreira lutadora, que embora não tenha sido presa, teve perdas sofridas causadas pela ditadura. Era a primeira eleição de um país democrático no qual eu cresceria com direitos políticos e liberdades individuais. Vi o Collor bloquear toda a grana que a minha família tinha. Os anos do meu pai em Angola, trabalhando em meio a guerra, em uma obra na qual volta e meia explodia uma mina. Vi o Collor sofrer um impeachment. Não entendia muito bem naquela época, por que razão uma figura como o Brizola, ou os amigos de esquerda da família viam com preocupação, a retirada do primeiro presidente eleito diretamente desde 1960, apesar de lamentarem o governo collorido.Vi FHC chegando, finalizando a estabilização econômica, privatizando recursos naturais e muita gente perdendo o emprego, muito mais do que agora.

Vi Lula chegar cheio de esperança, mas com discurso mais moderado. Propunha um desenvolvimento ancorado pela parceria com as empresas. O Brasil tinha, então 32 milhões de pessoas passando fome. Um índice de analfabetismo digno de países de descolonização tardia. Hoje, a moça que me atende na loja, usa aparelho e estuda. Vi uma mulher candidata. Essa mulher era uma daquelas que eu aprendi a admirar desde criança.  Vi essa mulher vencer uma eleição a despeito de toda a grosseria e machismo embutido nos argumentos contra ela. (Reparem o quanto os parlamentares usam a palavra “incompetência”, “irresponsabilidade”, termos não usados para falar de Lula, p. ex.). E a vejo agora se defender com a mesma coragem que sempre admirei 14h de absurdos.

Agora, ainda espantada e incrédula, vejo, não só a constituição, mas o capítulo mais bonito da nossa história, ainda que haja uma ou outra mácula, serem rasgados. Vejo um teatro tão óbvio que cansa. Talvez por Kafka já ter escrito um roteiro tão similar, talvez pela sensação de dejá-vu histórico. As poucas conquistas sociais que tivemos escorrem, agora, entre os dedos. Escorrem também os planos para o futuro. E o medo desse futuro parece uma onda havaiana me engolindo.

Nasci no ano em que se celebrava o retorno com alegria. Antes dos 40 vejo tudo retornando as trevas. Essas pessoas que chegavam e contavam suas histórias encheram meu imaginário de heroísmo para sempre. As crianças vibravam com He-man, eu também. E vibrava igualmente com as histórias de Helena Besserman Vianna, Inês Etienne, Dilma Roussef, Flávio Tavares, Luis Werneck de Castro, Lúcia Murat, e tantos outros. Pessoas que tiveram uma coragem que eu sempre achei que não teria.

Apesar dos destinos que o país seguirá agora, fico feliz de perceber que, vocês com sua histórias, abdicações e sacrifícios plantaram esse amor e essa coragem em mim. Não sei ainda se sou tão forte quanto vcs foram. Mas espero que essas gerações que vieram depois de vocês demonstrem agora, a mesma determinação, o mesmo amor por aquele outro que é desconhecido e cuja miséria nunca vivemos, que vocês nos ensinaram. ´


É triste esse momento, mais muito mais triste será ter que, no futuro, dizer aos meus alunos, que nós , também, “assistimos a tudo bestializados”.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Sobre jornalistas, pastores e rolas



Boechat é um dos poucos GRANDES jornalistas do Brasil. E no episódio Boechat 1 x Mala-faia 0, lavou a alma de muita gente... Mas precisava fechar daquela forma?

A polêmica da rola do Boechat ou do Malafaia, tanto faz, entupiu a minha linha do tempo e o meu tempo em si. Por isso resolvi escrever. Vamos lá:

Logo que a resposta do Boechat começou a ser compartilhada nas redes, senti-me incomodada. Aquela rola no final me incomodou muito!!! Incomodou, pois achei grosseiro e ponto. Por ser tão homofóbico/misógino quanto os discursos de Malafaia. Do pastor raivoso e intolerante eu espero uma grosseria assim, do jornalista esperava mais classe.

Quando se está numa discussão com alguém que grita, se destempera e fala palavrões... é fato: quanto mais calmo se é, quanto melhores os argumentos e a educação, mais as pessoas ouvirão e darão razão a quem se controla.

O que Boechat conseguiu, foi lavar a alma dos que já concordavam com ele. Mas aposto que, ao mandar o pastor procurar a rola, não convenceu nenhum fiel de que a tolerância vale à pena. Ao contrário.

Para defendê-lo um séquito de fãs que diziam: “Qualquer um se descontrolaria”, “foi dito sem pensar”... Espero, realmente, que o nobre jornalista não tenha pensado em dizer isso de antemão. Mas a sociedade não pode arcar com certos “descontroles”. Nesse sentido, a crítica a meu ver, é parte de um amadurecimento da tolerância.

Perdoar a falha por ele estar nervoso, “na hora da raiva”, é usar a mesma argumentação de que o marido matou a mulher, pois se descontrolou de ciúme, de amor. Matou por amar demais. Senhores, amor não mata, ou pelo menos não deveria.

É na hora da raiva, da irracionalidade que aparece o senso comum da sociedade que vive, mesmo que preso, dentro de nós. Todos aqueles preconceitos que racionalmente não temos, mas estão lá, arraigados nas categorias pelas quais enxergamos a realidade. É na hora da raiva que se chama o negro de macaco, que a mulher mau humorada é assim por ser mal comida, que o obeso é um “gordo safado”, que a mulher pobre vira “empregadinha”, que alguém se torna um “viadinho”, (que em geral é associado ao fato do gay ser feminino e portanto menos capaz).

Sendo assim a censura em prol do respeito à sociedade que queremos ser, se faz necessária. Precisamos evoluir até o ponto em que ser gay, negro, subempregado, etc. não “saiam” como xingamentos na hora do descontrole. Se na hora da raiva “saiu”, parafraseando a propaganda: “você precisa rever seus conceitos”.

Ninguém que criticou o Boechat, critica o discurso como um todo. Criticamos essa colocação (para manter o duplo sentido da coisa toda), é pontual. Se eu for preconceituosa em qualquer momento, por favor, critiquem! Assim como puxarei orelhas alheias pelo mesmo motivo.

Por último, para passar o atestado de machismo da nossa sociedade, muitas mulheres públicas já deram boas trauletadas na TV, no rádio, nas publicações virtuais ou impressas, contra esse fundamentalismo cristão. Mas talvez, por serem elas a dizer, não tenha o discurso (bem melhor argumentado) reverberado tanto por aí.

Ficamos assim, Boechat, eu continuo te ouvindo de manhã e respeitando como jornalista, mas na próxima oportunidade... deixa a rola de fora dessa.

Afinal, quem dera os problemas do mundo fossem tão facilmente resolvidos pela presença do falo masculino.


PS: Freud, valeu a tentativa, mas da rola, a gente só tem inveja na hora de fazer xixi em WC público mesmo...  

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Prova Final

Vejamos se agora, de posse dessas novas tecnologias, se ativamos de novo esse blog que anda morto. Agora que posso (e vocês também) escrever em qualquer lugar, quem sabe não dá para descobrir outras formas de usar esse espaço? 
Então... 1,2,3 testando...