A lacuna deixada desde sempre
pelo poder público nos bolsões de miséria ao qual nos acostumamos chamar
favelas e que, no tão em moda universo politicamente correto, denominamos
“comunidade”, abriu espaço para um poder paralelo. Reconhecido e legitimado pelo
Estado e pela sociedade, nós também, é claro. À essa conivência, batizamos
“carnaval carioca”.
Não há como ser politicamente
correto e conviver com o fato de que há seres humanos, algumas vezes até
trabalhando para você, vivendo nessas condições. Ou há? Além disso, quando os
denominamos comunidade nos diferenciamos dessa massa amorfa: o povo. Quem somos
nós, então? A nobreza encastelada? Ou
aquela velha burguesia burra que “assiste a tudo de cima do muro”?
Passamos o ano reclamando da
violência, dos abusos e desrespeitos do Estado, da impunidade. Até que a
“alegria infernal” vem chegando de mansinho com os ensaios e, aos poucos toma a
Avenida... à qual nos referimos como Sapucahy. Uma referência ao Marquês que dá
nome à rua, mesmo que a passarela em si chame Prof. Darcy Ribeiro, um título
bem mais interessante.
Assistimos então, a maioria pela
TV, bestializados, ao belo espetáculo do dinheiro público alimentando o crime sem
qualquer prestação de contas. Chamamos as escolas de São Paulo de “mafiosas” por
estarem ligadas às torcidas organizadas que, volta e meia, ocupam as páginas
policiais, assim como nossos bicheiros. E nem percebemos o absurdo da ideia. Se
prestasse contas, o crime – por que é essa a verdade – continuaria recebendo
dinheiro e tudo bem?
Mas há o outro lado dessa
história. Há os “barões famintos”, “napoleões retintos” e a “alegria fugaz” a
quem têm direito. Como tinham os escravos de beber cachaça e celebrar seus
orixás dentro das senzalas. O povo mais uma vez, essa massa amorfa, vira atração
turística. Recebe, em troca dos milhões “em dinheiro” que produz, com seu
esforço – E por que não, força de trabalho - o benefício de ser o protagonista
da noite. E, quem sabe, aparecer na TV, no VT ou no DVD.
E nós, seguimos sambando e
cantando junto, de casa, achando a festa democrática. A D. Cleuza, costureira,
que torna realidade a fantasia, literalmente, não vê metade dessa grana que é
movimentada pelos responsáveis pelo carnaval. No entanto, o movimento que o
carnaval gera no bolso dela, já faz uma grande diferença para ela. Faz para
muita gente.
Mas voltando ao raciocínio
inicial, a discussão acerca da censura ou não dos enredos, e seu tema
subsequente, que é o carnaval das escolas do Rio ser dirigido por criminosos. O
que deve ficar claro, é que essa discussão só faz sentido numa cidade em que o
crime tem relações diretas com o poder público. Em que o Estado não está
presente de forma socialmente sustentável. Se assim fosse as agremiações não
precisariam ser geridas por senhores bicheiros e tocada pelos servos que
trabalham em troca de algum dinheiro e por laços de fidelidade. O crime e o
governo do Rio de Janeiro estabeleceram uma PPP (parceria público privada) para
os eventos internacionais que virão. Mas com relação ao carnaval, a parceria é antiga.
Dinheiro público investido em cultura tem que oferecer algum retorno de valor
cultural real à população.
E muita gente comemora a
segurança e a elitização da cidade que se traduz em catracas nas trilhas,
valorização dos imóveis, etc. Pagam felizes os royalties desses
megaeventos. Enquanto seguem reclamando
dos blocos que se sustentavam sozinhos... E que também já estão se tornando outra coisa... O carioca ama a escola em que, muitas vezes nunca passou perto. E, também por isso, prefere ignorar todas as relações entre o desfile e o crime. "Deixa passar essa, é pelo carnaval!"
Enquanto isso o negócio do
carnaval aprofunda-se nas piores características que termo possui. Entraram em cena
definitivamente as empresas e com isso. Entram com elas os enredos bizarros.
Ninguém mais lembra dos sambas...
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