sexta-feira, 19 de abril de 2013

Um pesadelo


Tive um pesadelo. Acordei assustada, suada, trêmula.

Sonhei que andava pelo Rio. Não sei por que, mas eu ia pela Nossa Sra. de Copacabana. Comecei a achar tudo muito estranho! O comércio estava fechado e a rua vazia. Dos letreiros das poucas lojas ainda com ares de que funcionavam, pendiam, “meio-soltos-meio-presos”, plásticos pretos esvoaçantes.  Mesmo assim o comércio que parecia ainda ativo era restrito à cabeleireiros, veículos imobiliárias e cerveja, todos com o mesmo nome começando com X. O asfalto era muito liso mesmo, e por ele não passava ninguém.  Reparei que os prédios mais antigos sem portarias com grades modernas, portas de vidro, garagens eletrônicas e etc, aquelas portarias normais, mais antigas, comuns em Copacabana, tinham, todas, faixas como as da Defesa Civil, impedindo a entrada. Foi quando me dei conta de que não havia mais uma única palavra na rua em português.

Olhei o termômetro, marcava o equivalente a 22º C, mas em fahrenheit. No entanto, o ar era pesado. Difícil de respirar. Resolvi seguir pelo calçadão. Os prédios da Av. Atlântica eram, sem exceção, hotéis. Mas estavam decadentes como uma daquelas cidades fantasma norte americanas. Não estavam depredados, apenas abandonados. Senti um alívio ao conferir q o mar ainda estava lá embora não fizesse qualquer som. As ondas iam e vinham, continuamente, em silêncio. Não havia pessoas na praia, nem no calçadão, nem na ciclovia. Os postos eram postos da PM e os quiosques mini Q.G.s da Guarda Municipal, mas não dava para ver se havia alguém lá dentro.

Lá longe... avistei algo que parecia se movimentar.  Fiquei dividida entre o medo e a alegria de ver alguém. Apertei os olhos tentando focalizar. O movimento era rápido. Depois de uma curva vi que eram dois os objetos não identificados. Mais medo, mais alegria.  Conforme se aproximavam, notei que eram duas bicicletas. Eram dois guardas municipais, aos quais, no Rio, apelidamos carinhosamente de “municipelas” numa referência ao caráter “pela saco” de suas funções.

Quando me viram, pararam. Como tudo estava tão irreconhecível, pensei que me dariam a notícia de um grande cataclisma. Imaginei que me levariam a um dos quiosques – QGs, e me encaminhariam ao local onde estariam os demais sobreviventes. Quando se aproximaram, olharam para mim de cima a baixo. No sonho eu ia ou voltava do trabalho. Estava com a camisa da empresa, jeans e tênis, como sempre. Perguntaram meu nome e respondi. Pediram meu RG e eu dei. Foi aí que um deles sacou as algemas e veio, abrindo-as, na minha direção.

- Mas o que é isso?! – Perguntei indignada quando ele começou a me algemar. Procurei o nome na farda, não havia nenhum.
Ele respondeu que eu estava sendo presa. Quis saber por que. Eles se entreolharam e, em seguida, o que estava quieto até então, disse com ar de deboche:
- Ela que saber por que... Olha aqui garota, eu não tenho que te explicar nada, mas eu vou quebrar teu galho. Você tá toda errada!
-Como assim? Não fiz nada que não devesse, não deixei de fazer nada que fosse minha obrigação.
- A senhora está desrespeitando diversas portarias da Sec. De Ordem Pública! Pra começar, a senhora está em horário comercial de tênis, jeans e camiseta. Trajes despojados só são permitidos no Rio de Janeiro de 2ª a 6º feira de quatro às seis da manhã ou após às 18h. Nos sábados de quatro às nove e após às 16h e, só aos domingos, é liberado. Além disso, a senhora não está com a unha feita e não passou nem um corretivo nessas olheiras... o que também é uma violação da portaria que versa sobre o asseio do cidadão carioca. Pelas unhas imagino que a senhora que não está com o seu CCRS em dia.
- CCRS?
- Em que mundo a senhora vive? A senhora não tem um Cartão de Cadastro de Revisão de Salão? Aquele que atesta que a senhora tem cumprido a lei e ido ao salão regularmente toda semana faz unha, sobrancelha e corta o cabelo de três em três meses.
- Não.
- Ih! Ubirajara, a moça nem tem o CCRS! Tu vai ficar trancada um tempo, minha filha!  E deu sorte que nós te paramos antes que cruzasse para Ipanema...
- Desculpe, mas eu não estou entendendo...
- Ué?! Para mudar de bairro não pode ir a pé. Tem que ir de ônibus, van, táxi ou metrô. Ou de carro, né?
- E bicicleta?
-Bicicleta só a Guarda Municipal tem licença para usar, e só aqui na ciclovia. 

Da forma repentina como as coisas são nos sonhos, surgiu uma viatura e dois PMs. Dentro da viatura a caminho da prisão, meus olhos atentos continuavam a observar a estranha cidade.  Passamos pelo Leblon e só lá havia vida nas ruas. Mas ainda assim era esquisito. Uma gente muito loura, alta, de olhos claros que falava uma língua muito estranha, ou várias, sei lá.

Seguimos pela Barra onde o clima de abandono, de desterro era o mesmo.  Fizemos um caminho louco, mas uma série de ruas tinha mudado de mão ou foi fechada com cancelas.
Depois de muito tempo, chegamos ao destino final. O estádio Mário Filho era a o oposto do resto da cidade: novo, porém depredado. Saltando do carro, o cheiro parecia horrível e o burburinho era mais alto que em dia de final do brasileirão.

Lá dentro, passei por todo o processo normal de chegada de um novo preso. Adentramos o campo onde eu passaria alguns anos e eu, finalmente, entendi onde estava a população que tinha sobrado na cidade.


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